A Extensão dos Efeitos da Cláusula Compromissória à Seguradora Sub-rogada – Precedentes do Superior Tribunal de Justiça

A Extensão dos Efeitos da Cláusula Compromissória à Seguradora Sub-rogada – Precedentes do Superior Tribunal de Justiça

RESUMO: No seguro de dano, paga a indenização pela seguradora, ela se sub-roga no direito material e igualmente processual para reaver a quantia do causador do dano. O presente artigo tem o objetivo de estudar o instituto da sub-rogação no Direito brasileiro e a possibilidade da extensão das cláusulas contratuais às seguradoras, especialmente a cláusula compromissória.

PALAVRAS-CHAVE: Direito civil; contrato de seguro; dano; seguradora e segurado; sub-rogação; direitos e ações; arbitragem; compromisso arbitral.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Da sub-rogação; 2 Da arbitragem; 3 Da sub-rogação da seguradora nos direitos e nas ações do segurado e a transmissibilidade do compromisso arbitral – Entendimento do Superior Tribunal de Justiça; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

O contrato de seguro tem como objetivo resguardar o risco atinente a determinada conduta e/ou atividade. O segurado paga um prêmio para que, uma vez ocorrido o sinistro, o qual buscou se resguardar, receba o valor da indenização contratada. Ato contínuo, o segurador se sub-roga em todas as ações, direitos e deveres que o segurado possuía em relação ao causador do dano, podendo, em consequência, pleitear o ressarcimento da indenização paga em face do causador do dano.

O direito à sub-rogação encontra-se previsto no Código Civil e, usualmente, no próprio contrato de seguro. Uma exceção ao direito de ressarcimento que lhe decorre é a contratação, pelo segurado, de cláusula de dispensa de direito de regresso, pagando um valor superior de forma a impedir a seguradora de buscar o ressarcimento.

Muito se discute na doutrina e jurisprudência sobre a extensão da sub-rogação, em especial se ela abarcaria, ainda que de forma parcial, as cláusulas contratuais do contrato originalmente estabelecido entre as partes.

Em 2019, a questão foi examinada, ainda que tangencialmente, pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ao julgar a Sentença Estrangeira Contestada nº 14.930 (SEC 14.930), na qual se discutia a homologação de sentença arbitral estrangeira que havia entendido que uma seguradora estava vinculada à cláusula compromissória estabelecida em contrato celebrado pelo segurado. Naquele caso, prevaleceu o entendimento de que não caberia ao Superior Tribunal de Justiça reexaminar os termos e fundamentos da decisão proferida no exterior.

Recentemente, em julho de 2023, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.988.894/SP, revisitou a questão e analisou seu mérito. Ao analisar o caso, entendeuse, por unanimidade, que a ciência prévia da seguradora quanto à existência de cláusula compromissória no contrato objeto de seguro impunha sua submissão à arbitragem ali prevista.

Embora tal decisão ainda não seja definitiva ou vinculante, ela representa um relevante marco para o setor. Isso porque, sendo o Brasil um País com expressivo volume de comércio internacional, é muito comum que a jurisdição brasileira seja acionada em busca de ressarcimento de indenizações securitárias por danos à carga ocorridos nos transportes contratados para viabilizar as operações de importação e exportação.

Em que pese o Brasil ser um país de tradição no civil law, os precedentes judiciais tem tido cada vez mais relevância na aplicação do direito, de modo que o entendimento exaurado pelos Tribunais Superiores possui grande relevância para o mercado, sendo importante o estudo do recente julgamento do REsp 1.988.894/SP.

1 - DA SUB-ROGAÇÃO

A sub-rogação consiste na substituição de um dos elementos da relação jurídica, podendo recair sobre o objeto (sub-rogação real) e sobre os próprios sujeitos (sub-rogação subjetiva ou pessoal). A sub-rogação pessoal implica a modificação da titularidade do crédito, sem que a integridade da relação obrigacional em si seja afetada (1).

É um instituto, portanto, que protege o terceiro que paga o débito de outrem, de forma a evitar o enriquecimento sem causa pelo devedor. Assim, ainda que adimplida a obrigação, subsiste a dívida contra aquele que deu causa ao dano, passando àquele que a pagou em nome de terceiro a qualidade de novo credor.

A sub-rogação pode ser caracterizada como legal ou convencional. Na sub-rogação legal, diferente do que ocorre na cessão de crédito, o efeito do pagamento é ope legis, sendo a vontade das partes irrelevante para a apreensão do fato jurídico.

Já a sub-rogação convencional advém da vontade das partes no exercício da sua autonomia privada, inclusive quanto à extensão de seus efeitos, de modo que lhe são aplicáveis as normas referentes à cessão de crédito, nos termos dos arts. 347 e 348 do diploma civil (Lei nº 10.406/2002) (2).

Importa esclarecer que na sub-rogação legal não há titularização da posição contratual do segurado pelo segurador, pois, apesar de relacionados, o contrato de seguro e o contrato segurado são independentes, autônomos e referem-se a obrigações distintas, já que o objeto do contrato de seguro é o risco do descumprimento do contrato segurado.

A sub-rogação do segurador, que é o objeto do presente estudo, é legal e está prevista nos arts. 346, III, e 786 do Código Civil:

                                        Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor: [...] III – do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.

                                        Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

Assim, com o pagamento da indenização, transfere-se ao novo credor os direitos e as ações que competiam ao credor originário contra o devedor principal, seus fiadores ou aqueles que lhe causaram o dano, nos termos do art. 349 do Código Civil: “A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”.

Da mesma forma, Caio Mário da Silva Pereira leciona que

                                        adquire o sub-rogado o próprio crédito do sub-rogante, tal qual é. Opera, assim, a substituição do credor pelo sub-rogatário, que recebe o crédito com todos os seus acessórios, mas seguido também dos seus inconvenientes, e das suas falhas e defeitos (3).

A priori, sub-rogação implica a transferência das características materiais do crédito, não sendo o novo credor afetado por eventuais aspectos de natureza personalíssima do credor originário.

A restrição quanto às características processuais, muitas vezes sustentada pelos doutrinadores, entretanto, não se ajusta à literalidade dos arts. 394 (4) e 786 do Código Civil, que contemplam expressamente a transmissão das “ações” do titular primitivo ao novo titular do crédito. Diferente, por sua vez, das características personalíssimas que não passam ao novo credor.

Importante pontuar, ainda, que o art. 786, § 2º, do Código Civil determina que “é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo”.

No entanto, a submissão do litígio à jurisdição arbitral não importa necessariamente em qualquer diminuição de direitos, pois se trata unicamente de adoção de mecanismo de resolução de conflitos diverso do Judiciário, sem qualquer juízo de valor entre eles, como será adiante tratado.

2 - DA ARBITRAGEM

A arbitragem é um meio alternativo e voluntário de solução de conflitos. Conforme previsto no art. 4º da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), “a cláusula compromissória é a convenção por meio da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”.

Já Carlos Alberto Carmona define a arbitragem como

                                        uma técnica para a solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nesta convenção sem intervenção do Estado, sendo a decisão destinada a assumir eficácia de sentença judicial (5). 

O compromisso arbitral é um ato jurídico de natureza híbrida, tanto de natureza processual quanto material, pois se reveste das características de obrigação contratual, representada por um compromisso livremente assumido pelas partes contratantes, e do elemento jurisdicional, consistente na eleição de um árbitro, juiz de fato e de direito, cuja decisão irá produzir os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário.

Vale trazer decisão do Superior Tribunal de Justiça que descortina tal questão:

                                        PROCESSO CIVIL – JUÍZO ARBITRAL – CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA – EXTINÇÃO DO PROCESSO – ART. 267, VII, DO CPC – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – DIREITOS DISPONÍVEIS

                                        1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contratantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais divergências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência.

                                        2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil.

                                        3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste.

                                        4. Recurso especial provido. (REsp 606.345/RS, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 17.05.2007, DJ 08.06.2007, p. 240)

Neste contexto, conforme ensina Fredie Didier Jr. e Daniela Santos Bomfim, a arbitragem possui natureza jurídica mista, visto que configura meio de pagamento e de transmissão da situação jurídica ativa, ou seja, “(t)em, portanto, simultaneamente, eficácia extintiva e eficácia translativa” (6) .

Ademais, trata-se de cláusula de força cogente, que excluiu a competência do Poder Judiciário quando existente em um contrato, nos termos do art. 42 e 485, VII, do Código de Processo Civil:

                                        Art. 42. As causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei. [...]

                                        Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: [...] VII – acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência; [...].

O compromisso arbitral se funda no consentimento dos interessados e só pode ser utilizado para solução de conflitos que versem sobre direitos disponíveis, ou seja, em que seja possível transigir.

Justamente por isso, a lei brasileira exige manifestação de vontade livre, expressa e escrita das partes para que seja possível optar pela utilização do instituto da arbitragem. Essa exigência decorre do fato de que a opção pela utilização da cláusula compromissória implica a renúncia à garantia fundamental do acesso à jurisdição estatal. Igualmente por isso, a renúncia não pode resultar de presunções nem pode atingir ou prejudicar terceiros.

Assim, sendo a jurisdição arbitral consensual por sua própria natureza, é imprescindível manifestação inequívoca da vontade das partes, não se admitindo opção implícita pela arbitragem. Justamente por isso, tem causado grande discussão a possibilidade de extensão da cláusula compromissória ou sua transmissão via sub-rogação.

3 - DA SUB-ROGAÇÃO DA SEGURADORA NOS DIREITOS E NAS AÇÕES DO SEGURADO E A TRANSMISSIBILIDADE DO COMPROMISSO ARBITRAL – ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A possibilidade de a seguradora buscar reembolso da indenização securitária a ser paga pelo real causador do dano advém do instituto da responsabilidade civil, previsto nos arts. 186 e 927 do Código Civil:

                                        Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. [...]

                                        Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

E, como já adiantado, a seguradora que indenizou o segurado sub-roga-se no direito deste a ter sua perda patrimonial reestabelecida, nos termos dos arts. 786 e 934(7) do Código Civil. Igualmente, a Súmula nº 188 do col. Supremo Tribunal Federal estabelece que “o segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até ao limite previsto no contrato de seguro”.

No que tange à transmissibilidade da cláusula compromissória, há grande divergência na doutrina brasileira.

Diante da independência e relatividade do contrato segurado e do contrato de seguro, os Professores Fredie Didier Jr. e Daniela Santos Bomfim entendem que a seguradora “não exteriorizou a sua vontade para renunciar à jurisdição estatal, nem assumiu, posteriormente, posição de parte na relação jurídica contratual (‘segurada’) globalmente considerada” (8) .

Os referidos autores entendem, ainda, que a finalidade da sub-rogação legal é a proteção do terceiro que realiza o pagamento, razão pela qual, em seu entender, não há sub-rogação automática e direta, mormente ao se considerar que a voluntariedade daquele que está diretamente relacionado àquele negócio jurídico é condição indispensável à jurisdição arbitral (art. 3º da Lei nº 9.307/1996):

                                        Na literalidade do art. 349 do Código Civil, não se verifica qualquer termo ou expressão que possa significar vinculação direta a compromisso arbitral relacionado a eventual contrato do qual decorra o crédito sub-rogado. Ao contrário, o que se lê é que a sub-rogação transfere, ao novo credor, juntamente com o crédito, todos os “direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”. Não se fala em transmissão de cláusula compromissória, nem de negócios processuais celebrados pelo credor originário. Também no caput do art. 786 do Código Civil, nada se diz sobre transmissão de efeito direto de cláusula compromissória; lê-se apenas que o segurador se sub-roga nos “direitos e ações” do sub-rogado em face do causador do dano (9). 

Por outro lado, Francisco José Cahali e Viviane Rosolia Teodoro defendem a transmissibilidade da cláusula compromissória, eis que não se trata de condição personalíssima: “Pelo modelo do Código Civil, a sub-rogação se faz tanto em relação ao direito material do sub-rogado, como também quanto à forma de seu exercício (direito de ação) e, assim, fica o substituto vinculado à jurisdição eleita pelas partes originais” (10) .

Tais autores ponderam, entretanto, que para isso a seguradora deve ter pleno conhecimento do contrato originário.

                                        Pressupõe-se que a seguradora teve conhecimento do contrato (e consequentemente da cláusula compromissória), para a ele dar a respectiva cobertura. Entretanto, para as situações em que a seguradora não teve (e não tinha como ter) ciência da convenção arbitral, a solução pode ser diversa. Logo, é imprescindível a análise das particularidades de cada caso, da forma e nos termos em que se deu a contratação. [...]

                                        Com relação ao conhecimento prévio da seguradora acerca da cláusula compromissória presente em contratos firmados pelo segurado e terceiros, deve-se, ainda, levar em consideração o tipo do seguro celebrado, sendo tal ponto importante para a definição prática sobre a extensão dos efeitos da cláusula arbitral à seguradora sub-rogada.

                                        Note-se que, em um seguro garantia, por exemplo, há pouco espaço para se sustentar o desconhecimento da cláusula compromissória, pois presumivelmente uma seguradora diligente examinou cuidadosamente o contrato entre o tomador e o segurado que contém a cláusula compromissória na fase de subscrição do risco. Todavia, no caso de um seguro empresarial ou para riscos de engenharia, quanto mais abrangente ele for, mais difícil ou até mesmo impraticável será para a seguradora tomar conhecimento de todos os contratos firmados entre o segurado e terceiros, para apurar se existem cláusulas compromissórias a serem consideradas. É o caso, por exemplo, de um seguro de riscos operacionais de todo um complexo industrial (11).

Tal entendimento decorre do fato de que a sub-rogação atrai para o segurador, além do direito de ressarcimento, também as obrigações e os seus acessórios relacionados a esse direito. Sílvio Rodrigues leciona:

                                        Como o pagamento puro simples, extinguindo a dívida, extingue os acessórios, a subrogação representa enorme vantagem, pois transfere ao sub-rogado esses mesmos acessórios, sem haver mister de constituí-lo de novo, pois é a própria relação jurídica original, em sua integralidade, que lhe é transmitida. Assim, a sub-rogação é aquela operação pela qual a dívida se transfere ao terceiro que a pagou, com todos os acessórios e garantias que a guarneciam (12).

Na mesma toada, Caio Mário da Silva Pereira aduz:

                                        Qualquer que seja a sub-rogação – legal ou convencional – adquire o sub-rogado o próprio crédito do sub-rogante, tal qual é. Opera, assim, a substituição do credor pelo sub-rogatário, que recebe o crédito com todos os seus acessórios, mas seguido também dos seus inconvenientes, e das suas falhas e defeitos. Suporta o sub-rogado, evidentemente, todas as exceções que o sub-rogante teria de enfrentar (13).

Quando os contratantes optam por incluir em um contrato a cláusula compromissória, estão realizando uma escolha de submeterem eventuais disputas à via arbitral. Trata-se de elemento da relação contratual que, em regra, não pode ser posteriormente afastado.

O segurador, em regra, não é parte dessa relação originária. Porém, ao pagar a indenização, ele substitui o segurado naquela relação jurídica, se sub-rogando em todos os direitos do credor originário, nos termos da lei e da pacífica jurisprudência pátria:

                                        Nos contratos de seguro de dano, o segurador, ao pagar a indenização decorrente do sinistro, sub-roga-se nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o causador do dano, consoante a literal disposição do art. 786, caput, do CC/2002. Cuida-se, assim, de hipótese de sub-rogação legal, que se opera independentemente da vontade do segurado ou do terceiro responsável pelo dano. (REsp 1745642/SP, DJe 22.02.2019).

Em consequência, a seguradora sub-rogada resta automaticamente vinculada ao contrato sub-rogado, com exceção das condições personalíssimas. Para que seja considerada personalíssima, a cláusula deve considerar as condições pessoais do credor sub-rogada, ou seja, cuja prestação não pode ser efetuada por outrem.

Não é outro o entendimento da doutrina: “As obrigações personalíssimas, por exemplo, não podem ser objeto de pagamento com sub-rogação, haja vista estar o vínculo obrigacional centrado em uma qualidade pessoal do devedor” (14) .

Nesse sentido, a cláusula compromissória não possui natureza personalíssima, uma vez que seus termos são comuns a todos os contratantes. Não são outros os ensinamentos de Antunes Varela:

                                        Advirta-se, entretanto, que a transmissão das garantias operada pela sub-rogação a favor do sub-rogado não se circunscreve às relações com o devedor principal e com os fiadores, como se poderia depreender da parte final do texto do art. 988. A transferência abrange também as garantias constituídas por terceiro (penhor, hipoteca, anticrese etc.); e os seus efeitos estendem-se também aos credores, quer do devedor, quer do terceiro que tenha constituído a garantia. Além das garantias, aproveitam ao terceiro sub-rogado (tal como ao cessionário) as ações (nomeadamente a ação pauliana: art. 106) e demais acessórios do crédito (cláusula penal, estipulação de juros, condições de pagamento, foro eletivo, cláusula compromissória etc.) (15).

Em consequência, seria transmissível à seguradora sub-rogada a cláusula compromissória em contrato celebrado pelo segurado. Importante lembrar que, para analisar o risco a ser segurado, a seguradora deve analisar o contrato originário em que eventual cláusula compromissória estará incluída. Não é outro o entendimento da doutrina:

                                        A seguradora, por sua vez, ao pactuar contrato de seguro, deverá ter o cuidado e a cautela de analisar o risco a ser subscrito, com todos os seus prós, contras e custos envolvidos. O correto dimensionamento da extensão do risco a ser assumido inclui o exame e a avaliação do meio de resolução de controvérsias escolhido pelas partes contratantes, ou seja, a verificação da existência ou não de cláusula compromissória. Portanto, se houve subscrição do risco nesses termos, haverá – pelo mesmo ato – aceitação implícita da cláusula compromissória, sendo vedado ao segurador sub-rogado pinçar, dentro do contrato originário, as cláusulas que lhe forem mais convenientes (16).

Tal ponto foi analisado inicialmente em 2019, ainda que de forma colateral, pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do SEC 14.930/EX, de relatoria do Ministro Og Fernandes, tendo sido pontuado pelos Ministros que a seguradora, em razão da sub-rogação, se submeteria a todas as cláusulas do contrato celebrado que deu origem ao sinistro, não sendo transferidas com a sub-rogação apenas as condições personalíssimas do segurado.

Nesse sentido, entenderam os il. Ministros do Superior Tribunal de Justiça que a cláusula que estipula a arbitragem não é uma condição personalíssima, pois seus termos são comuns a todos os contratantes, sendo ela, portanto, plenamente oponível às seguradoras.

                                        A única limitação reconhecida para a sub-rogação se encontra nas condições personalíssimas do credor. Contudo, uma cláusula deve ser considerada personalíssima apenas se é firmada em razão das condições pessoais do sub-rogada, cuja prestação não pode ser efetuada por outrem. Nos termos da doutrina brasileira:

                                             “As obrigações personalíssimas, por exemplo, não podem ser objeto de pagamento com sub-rogação, haja vista estar o vínculo obrigacional centrado em uma qualidade pessoal do devedor.” (CASTELLANO, Flavio. Pagamento com sub-rogação. In: LOTUFO, R.; NANNI, G. E. (coord.). Obrigações. São Paulo: Atlas, 2011, p. 403)

                                          Por suas características próprias, não seria possível afirmar que a cláusula compromissória seja uma condição personalíssima de uma dada relação de jurídica. Ao contrário, uma vez celebrada, seus termos são genéricos e comuns a todos os contratantes, independentemente da qualidade da parte, podendo ser firmada por todas as pessoas capazes. Neste ponto, talvez a única exceção seja a cláusula arbitral firmada pelo Poder Público, mas essa não é a hipótese dos autos. [...]

                                           Dessa maneira, em conclusão aos argumentos lançados acima, entendo que existe a plena possibilidade de transmissão da cláusula compromissória por meio da sub-rogação da seguradora ao segurado, por força do art. 786 do CC/2002 e, assim, não existe qualquer ofensa à ordem pública nacional (17).

Em 2023, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, agora enfrentando diretamente a questão, confirmou seu entendimento de ser transmissível à seguradora sub-rogada a cláusula compromissória inserta em contrato de transporte.

                                        CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – CONTRATO DE TRANSPORTE MARÍTIMO INTERNACIONAL – DANO EM CARGA – AÇÃO REGRESSIVA – SEGURADORA – CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA PACTUADA NO CONTRATO DE TRANSPORTE – SEGURO GARANTIA – CIÊNCIA PRÉVIA PELA SEGURADORA DO CONTEÚDO DO CONTRATO A SER GARANTIDO ANTES DA EMISSÃO DA APÓLICE – ART. 4º, § 2º, DA LEI Nº 9.307/1996 – INAPLICABILIDADE – CONTRATO DE ADESÃO NÃO CONFIGURADO – REEXAME DE PROVAS – SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ                                         1. A ciência prévia da seguradora a respeito de cláusula arbitral pactuada no contrato objeto de seguro garantia resulta na sua submissão à jurisdição arbitral, por integrar a unidade do risco objeto da própria apólice securitária, dado que elemento objetivo a ser considerado na avaliação de risco pela seguradora, nos termos do art. 757 do Código Civil.

                                        2. Nos termos do entendimento desta Corte, o contrato de adesão possui como elementos essenciais a uniformidade, a predeterminação e a rigidez das cláusulas gerais elaboradas unilateralmente, bem como a indeterminação de possíveis aderentes em razão da proposta permanente e geral.

                                        3. A circunstância de o contrato ser materializado por formulário e a existência de cláusulas padronizadas não implica a necessária conclusão de se tratar de contrato de adesão. Para tanto, cumpre esteja presente a característica de contratualidade meramente formal, vale dizer, que a parte não responsável pela prévia determinação uniforme do conteúdo do contrato tenha meramente aderido ao instrumento, sem aceitar efetivamente as suas cláusulas.

                                        4. Hipótese em que o Tribunal de origem, soberano na análise do conteúdo fático e contratual, entendeu tratar-se de contrato paritário, em razão do significativo porte econômico da contratante do transporte internacional e do elevado valor do bem transportado, concluindo pela efetiva anuência à cláusula compromissória expressa no contrato.

                                        5. Rever a inaplicabilidade do art. 4º, § 2º, da Lei nº 9.307/1996 ao contrato em debate esbarraria na vedação de análise cláusulas contratuais e reexame matéria fáticoprobatória (Súmulas nºs 5 e 7/STJ). 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, na parte conhecida, não provido. (STJ, REsp 1.988.894/SP, 4ª Turma, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, J. 09.05.2023, DJe 15.05.2023)

No caso analisado, uma seguradora foi contratada por uma empresa colombiana para cobrir os riscos do transporte marítimo internacional de peças para construção de usina hidroelétrica. Durante o transporte ocorreram danos à carga, o que levou a seguradora a pagar a cobertura securitária à empresa colombiana e, posteriormente, ajuizar ação regressiva contra as empresas responsáveis pelo transporte.

O Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença, que condenava a transportadora marítima a ressarcir a seguradora, entendendo que a Justiça brasileira é incompetente para o julgamento do caso por força da existência de cláusula arbitral no conhecimento de transporte marítimo que se estenderia também à seguradora. Ato contínuo, a seguradora ingressou com recurso especial, que confirmou a decisão do TJSP.

Em seu voto, a Ministra Relatora Maria Isabel Gallotti ressalta que a submissão à cláusula arbitral não é efeito direto e automático da sub-rogação legal, sendo necessário analisar a autonomia das partes, nos termos do art. 3º da Lei nº 9.307/1996.

Inobstante, restou destacado pelos Ministros que o fato de o contrato ser materializado por formulário, com cláusulas padronizadas, não o torna necessariamente um contrato de adesão, sendo plenamente válida a cláusula compromissória inserta em contrato de transporte.

A decisão pontuou ainda que, em casos de seguro-garantia, a seguradora tem conhecimento prévio da existência de cláusula compromissória no contrato de transporte objeto da apólice, de modo que a cláusula deve ser considerada como um dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco predeterminado (arts. 757, caput, 759, 765 e 766 do Código Civil), concluindo, então, pela submissão da seguradora ao compromisso arbitral.

Sendo assim, tendo a segurada submetido o contrato segurado previamente à seguradora para análise dos riscos daquela relação jurídica, entende-se que tal cláusula se inclui entre os elementos essenciais do interesse garantido do contrato segurado e do risco predeterminado do contrato de seguro.

No ponto, a ciência prévia da seguradora quanto à existência de cláusula arbitral no contrato de seguro-garantia impõe sua submissão à arbitragem, sob o fundamento de que, nos casos em que a seguradora teve conhecimento das obrigações de seu segurado perante a terceiros e, ainda assim, entendeu por anui-las em razão do contrato de seguro, entende-se por sua sub-rogação integral aos direitos e deveres não personalíssimos da segurada.

Isso não impede, naturalmente, a ocorrência de situações excepcionais, nas quais se demonstre a impossibilidade da seguradora de identificar a cláusula compromissória na fase de avaliação de risco.

Contudo, o entendimento esposado no julgado é no sentido de que não se admitir a subrogação das obrigações não personalíssimas que a seguradora tinha ciência prévia implicaria em prestigiá-la com a faculdade de seguir ou não com obrigações assumidas pela segurada perante terceiros, afastando a previsibilidade e segurança jurídica dos contratos de transporte celebrados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto, o contrato de seguro tem como objetivo resguardar o segurado do risco inerente a determinada atividade comercial que se está exercendo, transferindo esse risco à seguradora, por força do Código Civil e, costumeiramente, dos contratos de seguro, por meio do instituto da sub-rogação.

Nos contratos de seguro que acobertam os danos decorrentes de contratos de transporte marítimo internacional, ocorrido o dano acobertado por aquele contrato de seguro e realizado o pagamento da indenização securitária pela seguradora, o efeito do pagamento é ope legis e a sub-rogação da seguradora no direito da segurada se dá por força legal, nos termos dos arts. 346, III, e 786 do Código Civil, sendo a vontade das partes irrelevante para a apreensão do fato jurídico.

Na sub-rogação, transfere-se à seguradora os direitos e as ações que competiam ao credor originário contra o devedor principal, restringidas apenas as obrigações personalíssimas, que são impossíveis de serem cumpridas por parte diversa daquela que as assumiu, inclusive os negócios jurídicos processuais, como a cláusula compromissória de arbitragem.

O compromisso arbitral, que se funda no consentimento dos interessados e só pode ser utilizado para solução de conflitos que versem sobre direitos disponíveis, exige expressamente a manifestação de vontade livre das partes, uma vez que a opção pela utilização da arbitragem implica a renúncia à jurisdição estatal.

Contudo, entende-se que a cláusula compromissória não possui natureza personalíssima, uma vez que os seus termos são comuns a todos os contratantes, podendo ser cumprida por qualquer das partes que se vincule àquele contrato, seja originariamente, seja por força da sub-rogação.

No julgamento do Recurso Especial nº 1.988.894/SP, pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, restou fixado o entendimento de que a submissão à cláusula arbitral não é efeito direto e automático da sub-rogação legal, sendo necessário analisar a autonomia das partes, nos termos do art. 3º da Lei nº 9.307/1996. Inobstante, em não se tratando o contrato de transporte marítimo um contrato de adesão, entendeu-se ser válida a cláusula compromissória arbitral.

Dessa forma, no referido caso, entendeu-se que, por força da sub-rogação, tendo a seguradora conhecimento prévio da existência de cláusula compromissória no contrato de transporte objeto da apólice, àquele que é o contrato segurado, tal cláusula arbitral se inclui nos elementos essenciais do interesse garantido pelo contrato segurado e do risco predeterminado do contrato de seguro, nos termos dos arts. 757, caput, 759, 765 e 766 do Código Civil.

Dessa forma, o entendimento fixado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.988.894/SP foi no sentido de que a ciência prévia da seguradora quanto à existência de cláusula arbitral no contrato de seguro-garantia impõe sua submissão à arbitragem, conforme registrado pelo voto da Ministra Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti.

O entendimento adotado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça é um importante precedente para o setor marítimo e poderá ter grande impacto no posicionamento adotado pelos Tribunais Estaduais quando do julgamento de demandas relacionadas ao ressarcimento de valores às seguradoras sub-rogadas, pagos em razão de danos decorrentes de contrato de transporte marítimo, nos casos em que houver a previsão de cláusula compromissória arbitral, devendo ser acompanhada de perto. 

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(1 )CHAVES, A. Sub-rogação. Arquivos do Ministério da Justiça, a. 39, n. 161, p. 38, jan./mar. 1982.

(2) CC: “Art. 347. A sub-rogação é convencional: I – quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos; II – quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito. Art. 348. Na hipótese do inciso I do artigo antecedente, vigorará o disposto quanto à cessão do crédito”. 

(3) PEREIRA, C. M. da S. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, v. 2, 2016. p. 219.

(4) CC: “Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”. 

(5) CARMONA, C. A. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/1996. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 15.

(6) DIDIER JR., F.; BOMFIM, D. S. A sub-rogação prevista no artigo 786 do Código Civil e a convenção de arbitragem celebrada pelo segurado. Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo: RT, v. 24, ano 7, p. 100, jul./set. 2020. 

(7) CC: “Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz”. 

(8) DIDIER JR., F.; BOMFIM, D. S. A sub-rogação prevista no artigo 786 do Código Civil e a convenção de arbitragem celebrada pelo segurado. Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo: RT, v. 24, ano 7, p. 113, jul./set. 2020.

(9) Idem, ibidem.

(10) CAHALI, F. J.; TEODORO, V. R. Transmissão da cláusula arbitral às seguradoras em caso de sub-rogação e a Sentença Estrangeira Contestada nº 14.930 (2015/0302344-0). Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, v. 1040, ano 111, p. 76-86, jun. 2022. 

(11) Idem, ibidem.

(12) RODRIGUES, S. Direito civil – Parte geral das obrigações. 30. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2002. p. 176.

(13) PEREIRA, C. M. da S. Instituições de direito civil – Teoria geral das obrigações. 21. ed. rev. e atual. por Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 2006. p. 258. 

(14) CASTELLANO, F. Pagamento com sub-rogação. In: LOTUFO, R.; NANNI, G. E. (coord.). Obrigações. São Paulo: Atlas, 2011. p. 403.

(15) VARELA, A. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, v. 2, 1979. p. 346.

(16) FICHTNER, P. M.; FICHTNER, J. A. Arbitragem e a sub-rogação da cláusula compromissória nos contratos de seguro. In: TZIRULNIK, E. et al. (org.). Direito do seguro contemporâneo: edição comemorativa dos 20 anos do IBDS. São Paulo: Contracorrente, v. 2, 2021. p. 377.

(17) STJ, SEC 14.930/EX, Corte Especial, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 27.06.2019.