O recente entendimento do STJ quanto à natureza propter rem das obrigações ambientais

O recente entendimento do STJ quanto à natureza propter rem das obrigações ambientais

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recursos repetitivos (Tema 1.024*) decidiu que as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, podendo o credor exigi-las do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos. Estabeleceu, contudo, que o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano fica isento de responsabilidade, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente.

 

O entendimento da ministra relatora Assusete Magalhães está em consonância com a Súmula 623 do STJ (“As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor"), mas vai além ao estabelecer que o anterior titular não estará obrigado a satisfazer a obrigação ambiental quando comprovado que não causou o dano, direta ou indiretamente, e que este é posterior à cessação de sua propriedade ou posse. Para alcançar tal desiderato, o STJ examinou as situações em que o anterior titular que não deu causa a dano ambiental ou a irregularidade, tanto quando (i) o dano é posterior à cessação do domínio ou da posse do alienante (a menos que tenha ele, mesmo já sem a posse ou propriedade, retornado a área, a qualquer outro título, para degradá-la); ou (ii) o anterior titular conviveu com dano ambiental pré-existente, ainda que a ele não tenha dado causa, alienando o bem no estado em que o recebera.

 

Diante disso, a relatora rememorou o artigo 2º, § 2º do Código Florestal (“As obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural”), que estabelece as obrigações em matéria ambiental são propter rem e aderem à coisa, bem como o artigo 14, §1º da Lei 6.938/1981, que preconiza que a responsabilidade civil em virtude de dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do degradado — público ou privado, proprietário ou administrador, etc — é de natureza objetiva, solidária e ilimitada.

 

No ponto, os dois institutos não se confundem, apesar de se complementarem. A obrigação propter rem tem relação com a própria coisa – in casu, o imóvel --, enquanto a responsabilidade civil objetiva ambiental diz respeito àquele que causa o dano. Na primeira, por se ater à coisa, o atual proprietário ou possuidor tem o dever legal de cumprir a obrigação ambiental pendente, independentemente de culpa ou nexo causal, ao passo em que a segunda gera a obrigação de recuperação do dano ambiental, independente de culpa ou dolo, mas dependente do nexo causal.

 

Na esteira do entendimento da ministra, acertadamente se definiu que apenas tem responsabilidade o titular anterior que conviveu com dano ambiental preexistente, ainda que não tenha sido o seu causador, e, posteriormente, alienou a área no estado em que a recebera, deflagrando-se prática de omissão ilícita, não se admitindo que “aquele que deixou de reparar o ilícito, e eventualmente dele se beneficiou, fique isento de responsabilidade". A tese foi fixada, portanto, atendo-se à verificação do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão e o dano causado, na medida em que afastou a responsabilidade do anterior titular quando o dano é posterior à cessação do domínio ou da posse do alienante, a não ser que, mesmo já sem a posse ou a propriedade, ele retorne à área para degradá-la.

 

* REsp 1.962.089.