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22 de maio de 2025

Arbitrabilidade objetiva dos honorários de sucumbência na tutela cautelar

Marcela Melichar Suassuna e Leonardo Wortmann Ghiaroni para o Conjur

 

Tutela cautelar pré-arbitral: considerações introdutórias

É notória, além de provada pela experiência prática, a utilidade da arbitragem como ferramenta heterocompositiva de lides sobre direitos patrimoniais disponíveis. Não seria irresponsável afirmar que, hoje, é a via preferida em contratos entre empresários, que confiam o julgamento de possíveis lides ao exame de órgão arbitral individual ou colegiado, indicado pelas partes com vistas à sua especialização técnica, maleabilidade procedimental e a possibilidade de submetê-la ao manto da confidencialidade.

Enquanto essa é uma indisputável verdade, também é fato que nenhum sistema de prestação jurisdicional é isento de limitações. E a arbitragem, com todas as suas vantagens quando bem aplicada, é exemplo disso.

 

No caso da arbitragem, uma dessas possíveis limitações é o decurso de tempo desde o pedido da sua instauração e a instituição do tribunal arbitral, fruto do inevitável período em que se sucedem o requerimento de arbitragem, a resposta a este, a indicação e a avaliação da independência e imparcialidade dos árbitros e, enfim, a celebração do compromisso arbitral, com a previsão da prática dos atos processuais subsequentes.

Entra em cena, nesse contexto, a tutela cautelar pré-arbitral, prevista e em amplos termos disciplinada nos artigos 22-A e 22-B da Lei nº 9.307/96. Esta pode ser apresentada ao Poder Judiciário em caráter de urgência, voltada à obtenção de tutela sumária a respeito de matéria cujo mérito será julgado não pelo juiz togado, mas sim pelo tribunal arbitral ainda não constituído, na forma da convenção de arbitragem pactuada.

Trata-se de tutela provisória antecedente com marco peculiar para extinguir-se — não só pelo trânsito em julgado de sentença definitiva (comum a todo e qualquer processo judicial), mas também, e com maior frequência na prática, pela instituição da arbitragem, quando concluída a constituição do juízo arbitral (Lei nº 9.307/96, artigo 19).

Constituído o tribunal arbitral, passa este a revestir-se da jurisdição para decidir a totalidade da lide — inclusive reexaminar eventual tutela provisória previamente concedida por autoridade judiciária (Lei nº 9.307/96, artigo 22-B).

O surgimento da jurisdição arbitral faz cessar a jurisdição precária, exercida por motivos de urgência, da autoridade judiciária. A tutela cautelar pré-arbitral, assim, perde a sua razão de ser, e passa a ter seu objeto abrangido pela arbitragem então instaurada.

A reforçar a efemeridade da tutela cautelar pré-arbitral, o legislador exige da parte autora requerer a instauração da arbitragem em que se discutirá o mérito da lide em até 30 dias contados da efetivação da medida liminar, sob pena de cessação de seus efeitos (Lei 9.307/96, artigo 22-A, parágrafo único).

Spacca
Naturalmente, os impactos operados na tutela cautelar pré-arbitral com a instituição da arbitragem não se restringem a realocar o poder jurisdicional exercido sobre a lide da autoridade judiciária para o tribunal arbitral. Há, também, alteração da normativa aplicável à parcela da lide que fora, anteriormente, abrangida no processo de tutela provisória, antes regida pelas regras e princípios do Código de Processo Civil, e, agora, disciplinada pela Lei de Arbitragem.

Honorários sucumbenciais na tutela cautelar pré-arbitral
Um dos pontos que a prática tem revelado como de maior complexidade é a alocação do poder jurisdicional — se à autoridade judiciária ou ao tribunal arbitral — para decidir sobre os honorários advocatícios devidos pela parte sucumbente ao patrono da parte vencedora no processo de tutela cautelar, verba definida na sentença que julga a demanda (CPC, artigo 85, caput).

A questão conta com posicionamento da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência (CC) 165.678/SP, em que, por unanimidade, conforme o voto de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, decidiu-se que “[o]s honorários de sucumbência somente se incorporam ao patrimônio do advogado após o trânsito em julgado da decisão que os fixou, o que não ocorreu na espécie em que pendente de julgamento da apelação, cujo exame foi transferido para o Tribunal Arbitral, reconhecido como competente por ambas as partes para o exame do mérito da causa” [1].

Inconteste tal posição servir de valioso norte para dirimir a questão sobre quem há de decidir sobre a condenação em honorários sucumbência, novas e recentes decisões judiciais vêm ampliando a jurisprudência sobre o assunto em distintas direções, conforme as particularidades de cada caso concreto.

Surgem, nesse contexto, posições pela impossibilidade da fixação de honorários sucumbenciais em tutela cautelar pré-arbitral, porque (1) a instauração da arbitragem atrai a jurisdição exclusiva da lide para o juízo arbitral, no que se inclui a fixação daqueles valores; e (2) a tutela cautelar pré-arbitral seria uma medida estritamente cautelar, na qual não caberia a fixação de tais honorários.

Já para a parcela que entende ser possível a fixação daquela verba em sede de tutela cautelar pré-arbitral, assume relevância central na discussão a natureza alimentar desses honorários, que, poder-se-ia sustentar, afastaria a arbitrabilidade objetiva sobre essa prestação, por extirpar a disponibilidade do direito.

Honorários de sucumbência na tutela cautelar pré-arbitral podem ser fixados em arbitragem?
Conforme o artigo 1º da Lei 9.307/96, as matérias passíveis de ser julgadas em arbitragem são aquelas sobre direitos patrimoniais (i.e., passíveis de valoração econômica) e disponíveis (i.e., suscetíveis de disposição negocial). Esta limitação, basilar ao instituto, é denominada, na literatura, arbitrabilidade objetiva [2].

Tomada como premissa a jurisdição do tribunal arbitral para decidir sobre os honorários de sucumbência na tutela cautelar pré-arbitral (em linha com a posição da 2ª Seção do STJ no já citado CC 165.078/SP), surge, nesse contexto, a questão sobre se essa verba, conquanto de natureza inequivocamente patrimonial, qualifica-se como direito disponível para fins de satisfazer o critério da arbitrabilidade objetiva.

É aí que se insere a problemática da já mencionada natureza alimentar dos honorários de sucumbência (CPC, artigo 85, § 14), a transmitir a valorização, pelo ordenamento jurídico, dessa remuneração como relevante ao sustento do advogado.Contudo, ainda que tal natureza alimentar pudesse suscitar preocupações quanto à sua disponibilidade, esta última característica, além de confirmada em doutrina [3], é reconhecida aos honorários sucumbenciais na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Este entendeu, na ADI 1.194-4, entre outros, pela inconstitucionalidade do artigo 24, § 3º da Lei 8.906/94, que dispunha ser “nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência”.

Outro indício da convivência harmônica entre a relevância alimentar e a disponibilidade dos honorários de sucumbência é a possibilidade, confirmada na jurisprudência, de renúncia desta remuneração pelo advogado atuante na causa. Nesse sentido o julgamento da Apelação 0210603-77.2022.8.19.0001, pela 12ª Câmara de Direito Privado do TJ-RJ [4], caso de transação celebrada pelas partes com a anuência dos patronos atuantes na causa.

O fato de a renunciabilidade dos honorários de sucumbência ser indicativa da natureza disponível desse direito é apontado também pela 1ª Turma do STJ, na fundamentação do voto de relatoria do ministro Benedito Gonçalves no RMS 45.390/BA, a consignar que “os honorários advocatícios a título de sucumbência são renunciáveis”, caracterizando-se, portanto, “como direito disponível” [5].

A questão, portanto, parece superada: em que pese a sua relevância alimentar, o direito aos honorários de sucumbência de prestação é de natureza inequivocamente patrimonial e disponível — e, assim, dotada da arbitrabilidade objetiva necessária à sua apreciação pelo juízo arbitral.

Breve conclusão (e cenas dos próximos capítulos)
A breve análise aqui empreendida permite concluir pela arbitrabilidade objetiva dos honorários de sucumbência, visto se tratar de prestação patrimonial, e, em que pese a sua natureza alimentar, também disponível.

A relativa clareza com que se permite constatar tal arbitrabilidade objetiva, contudo, não parece se aplicar à arbitrabilidade subjetiva — isto é, os limites ao exercício da jurisdição arbitral do ponto de vista das partes celebrantes, ou de alguma outra forma vinculadas, à convenção de arbitragem. Isso, sobretudo, em hipótese de os advogados atuantes no processo cautelar pré-arbitral não ser os mesmos a atuar na arbitragem.

Resta, portanto, examinar se os advogados, por excelência não signatários da convenção de arbitragem, a ela se vinculam em alguma medida [6] para fins da eventual fixação, pelo tribunal arbitral, dos honorários de sucumbência — e, em caso positivo, quais são as consequências processuais no caso de distinção entre os patronos atuantes naquela primeira etapa e nesta última. Mas isso, em última análise, é tema para um segundo (e muito necessário) estudo.

[1] STJ, CC nº 165.678/SP, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª Seção, j. 14/10/20.

[2] SPERANDIO, Felipe Vollbrecht. Convenção de arbitragem. In: LEVY, Daniel; PEREIRA, Guilherme Setoguti J. (coords.). Curso de arbitragem. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 103); e DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo arbitral. 2ª ed. Curitiba: Editora Direito Contemporâneo, 2022, p. 88.

[3] LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Comentários ao Código de Processo Civil, vol II, 2ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 134.

[4] TJ-RJ, AC 0210603-77.2022.8.19.0001, Des. José Carlos Paes, j. 03/08/23, 12ª Câmara de Direito Privado.

[5] STJ. RMS 45.390/BA, rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, j. 22/11/16.

[6] Nesse sentido, CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 4ª ed. Barueri: Atlas, 2023, p. 106.

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