Publicações > Artigos

6 de agosto de 2025

O julgamento da questão de ordem no Tema 1.255 pelo STF e suas repercussões

Por Marcela Melichar Suassuna e Victoria de Souza Musso Ribeiro

O STF restringiu o Tema 1.255 à Fazenda Pública, reafirmando a aplicação do Tema 1.076/STJ às causas entre particulares, promovendo segurança jurídica.

I. Introdução: Dúvidas sobre a extensão dos efeitos do Tema 1.255/STF

O STF, em maio deste ano, buscou colocar fim às discussões acerca da extensão do Tema de repercussão geral 1.255 (“Tema 1.255/STF”), ao analisar questão de ordem para definir “se [o Tema 1.255/STF é] restrito a causas em que a Fazenda Pública for parte, ou se abarcaria qualquer causa em que haja condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais, independentemente das partes envolvidas”.

O Tema 1.255/STF, de relatoria do exmo. ministro André Mendonça, se origina do RE 1.412.069, no qual se discute, à luz dos arts. 2º, 3º, I e IV, 5º, caput, XXXIV e XXXV, 37, caput, e 66, § 1º, da CF, a interpretação conferida pelo STJ ao art. 85, §§ 2º, 3º e 8º, do CPC, quando do julgamento do Tema repetitivo 1.076; este último, que examinou o alcance do § 8º do art. 85 do CPC nas causas em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados.

Nos moldes em que foi inicialmente redigido o Tema 1.255/STF, mencionando-se que ele examinaria a “possibilidade da fixação dos honorários por apreciação equitativa (art. 85, § 8º, do CPC) quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem exorbitantes”, não estava claro se o Tema 1.255/STF endereçaria apenas causas envolvendo a Fazenda Pública – já que era essa a discussão travada no RE – ou se seria aplicável a todos os casos, envolvendo entes públicos e partes privadas.

Esse questionamento, somado às dúvidas e inseguranças de ordem prática que essa lacuna causava, fizeram com que o STF fosse instado a delimitar, com mais precisão, a aplicação do Tema 1.255/STF. Dessa forma, o plenário do STF resolveu a questão de ordem proposta no âmbito do Tema 1.255/STF e, à unanimidade, esclareceu que o Tema “está, atualmente, restrito à fixação de honorários advocatícios em causas em que a Fazenda Pública for parte”. As repercussões desse julgamento foram, como se verá, imediatas e, claro, obedientes ao órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro.

II. O Tema 1.076/STJ: Interpretando o § 8º do art. 85 do CPC

Em 2022, a Corte Superior do STJ concluiu o julgamento do Tema repetitivo 1.076, originado dos REsps nos 1.850.512/SP, 1.877.883/SP, REsp 1.906.623/SP e REsp 1.906.618/SP. A questão submetida a julgamento consistia na “definição do alcance da norma inserta no § 8º do art. 85 do CPC nas causas em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados”.

Na ocasião, a Corte Especial fixou teses pela impossibilidade da fixação de honorários advocatícios de sucumbência por apreciação equitativa quando o valor da condenação ou o proveito econômico forem elevados, prevalecendo na Corte Especial o entendimento do ministro Og Fernandes, relator dos recursos submetidos a julgamento. As teses foram estabelecidas da seguinte forma:

“1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil (CPC) – a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.

2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.”

Quando do julgamento do Tema 1.076, o STJ afastou a alegação de que haveria transgressão ao princípio do acesso à justiça, concluindo que regra de fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais, no patamar entre 10% e 20% dentro das bases previstas no § 2º e no § 3º do art. 85 do CPC, também deve ser aplicado às demandas com valores elevados, tendo em vista que o risco sucumbencial deve ser ponderado pelas partes antes da propositura de ações judiciais.

Sobre esse respeito, o voto condutor de um dos recursos especiais que gerou o Tema 1.076 do STJ, inclusive, consignou que a fixação dos honorários sucumbenciais nos moldes do art. 85 do CPC, ainda que em causas de valor elevado ou de benefício econômico vultoso, são positivas para o processo civil:

“Cabe ao autor – quer se trate do Estado, das empresas, ou dos cidadãos – ponderar bem a probabilidade de ganhos e prejuízos antes de ajuizar uma demanda, sabendo que terá que arcar com os honorários de acordo com o proveito econômico ou valor da causa, caso vencido. O valor dos honorários sucumbenciais, portanto, é um dos fatores que deve ser levado em consideração no momento da propositura da ação.”

(…)

A fixação de honorários por equidade nessas situações – muitas vezes aquilatando-os de forma irrisória – apenas contribui para que demandas frívolas e sem possibilidade de êxito continuem a ser propostas diante do baixo custo em caso de derrota.” (STJ, REsp no 1850512/SP, Min. Rel. Og Fernandes, Corte Especial, j. em 16/03/2022)

Pode-se dizer, sem soar leviano, que o STJ privilegiou a intenção expressa do legislador ao não permitir a fixação equitativa dos honorários sucumbenciais em causas de valores elevados, o que, em última análise, se prestaria a afastar o ajuizamento de demandas aventureiras, que almejassem condenações em importes vultuosos sem o risco de incorrer em quaisquer ônus processuais relevantes em caso de decisão desfavorável aos seus interesses.

Com isso, a redução equitativa dos honorários sucumbenciais ainda seria possível, mas apenas nas hipóteses do § 8º do art. 85 do CPC, isto é, nas causas em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou quando o valor da causa for muito baixo. Prevaleceria, portanto, de acordo com a regra do CPC, a fixação de honorários entre os percentuais de 10% a 20% para os demais casos, independentemente do valor envolvido na causa.

III. O Tema 1.255/STF: Extensão ou limitação do tema a particulares?

Contra o acórdão da Corte Especial do STJ, a União interpôs recurso extraordinário, alegando que haveria quebra da isonomia formal e material entre as partes no processo dentro de uma interpretação constitucional do Direito Processual Civil. A premissa dessa tese era de que, retirando a possibilidade de se fixar os honorários sucumbenciais de forma equitativa, isso retiraria do julgador a prerrogativa de avaliar o caso concreto e aplicar a razoabilidade e a proporcionalidade no arbitramento da verba honorária.

O tema foi, então, levado ao STF, tendo o recurso extraordinário sido recebido como Tema repetitivo 1.255. Em 2023, o plenário do STF formou maioria para reconhecer a existência de questão constitucional e repercussão geral na controvérsia relativa à “possibilidade da fixação dos honorários por apreciação equitativa (art. 85, § 8º, do CPC) quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem exorbitantes”.

Mas, como já foi dito, a forma que foi redigida a questão a ser endereçada pelo Tema 1.255/STF atraía dúvidas quanto à sua aplicação e extensão, se o Tema somente endereçaria casos envolvendo a Fazenda Pública – pois o recurso extraordinário do qual se originou o Tema 1.255/STF envolvia ente público – ou se a questão se aplicaria a todos os casos, com partes públicas e privadas.

Na prática, caso se entendesse que o Tema 1.255/STF se limitaria a processos envolvendo a Fazenda Pública, o Tema 1.076 do STJ já valeria para todos os casos envolvendo partes privadas; em outras palavras, apesar de estar sub judice a discussão sobre a fixação de honorários sucumbenciais por equidade no STF, ela não se aplicaria a partes privadas, que, por isso, já poderiam considerar a aplicação do Tema 1.076 do STJ a elas. Contudo, se fosse admitida a ampliação do Tema 1.255/STF aos processos em geral, o Tema 1.076 do STJ poderia ser revisitado pelo STF, mesmo nos processos envolvendo partes privadas.

IV. A definição na questão de ordem do Tema 1.255/STF

Apesar dos questionamentos surgidos quanto à extensão ou limitação do Tema 1.255/STF a partes privadas, não seria irresponsável afirmar que, mesmo quando da prolação do acórdão que reconheceu a repercussão geral da controvérsia, sua leitura atenta demonstrava que discussão circunscrita ao tema já havia sido limitada às causas em que a Fazenda Pública é parte, tendo o voto vencedor, de lavra do ministro Alexandre de Moraes, consignado que:

“Em suma, discute-se no presente Recurso Extraordinário se a fixação de honorários advocatícios contra a Fazenda Pública deve sempre e necessariamente ter por critérios os previstos nos §§ 3º a 6º do art. 85 do CPC – ou se, em determinados casos, cabe a aplicação do § 8º do referido dispositivo legal. (…)

Peço vênia à Ministra Presidente, para acompanhar a divergência. A discussão, que tem o potencial de reproduzir-se em inúmeras causas, envolve o dispêndio de vultosas verbas públicas, em hipóteses nas quais, em princípio, não houve contraprestação que o justifique. (…)

De fato, em se tratando de valores expressivos de dinheiro público, é preciso avaliar se a opção do legislador, segunda a visão que lhe conferiu o STJ, passa no teste de constitucionalidade.” (STF, RE no 1412069/RG, Min. Rel. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, j. em 08/08/2023)

A restrição da discussão às causas envolvendo a Fazenda Pública foi posteriormente reafirmada pelo exmo. ministro Flávio Dino no âmbito da reclamação no 67.235/RJ, na qual reconheceu, em decisão monocrática, a teratologia da decisão que havia determinado o sobrestamento de processo entre partes privadas com base na suposta aplicabilidade do Tema 1.255/STF a processos entre particulares. No caso prático, isso resultou na cassação de decisão que havia determinado indevidamente o sobrestamento de processo sem participação da Fazenda Pública:

“15. Por outro lado, no que diz respeito à possível inaplicabilidade do Tema 1.255 da repercussão geral ao caso em comento, cabe ressaltar que o que se discute no RE 1.412.069 RG é “se a fixação de honorários advocatícios contra a Fazenda Pública deve sempre e necessariamente ter por critérios os previstos nos §§ 3º a 6º do art. 85 do CPC – ou se, em determinados casos, cabe a aplicação do § 8º do referido dispositivo legal” (DJE divulgado em 23/5/24, publicado em 24/5/24, grifo nosso).

16. No caso em comento, o processo originário tem como partes pessoas privadas. Assim, ao negar provimento ao agravo interno do reclamante, para manter decisão que havia suspendido a tramitação do recurso extraordinário, a autoridade reclamada aplicou tema de repercussão geral (Tema 1255) não ajustado ao objeto do recurso interposto, comprovando-se, assim, a teratologia da decisão reclamada (e-doc. 05, p. 656-659).” (STF, Rcl no 67.235/RJ, Decisão Monocrática, Min. Rel. Flávio Dino, j. em 15/02/2024)

Pouco depois, ao julgar procedente a Reclamação no 72.975/SP, o Exmo. Ministro Alexandre de Moraes reforçou que não se aplicaria o Tema no 1.255/STF ao processo, que tinha como partes pessoa e empresa privadas, tendo registrado que “considerando que na hipótese não se discute a fixação de honorários advocatícios em face da Fazenda Pública, verifica-se a aplicação equivocada do Tema 1.255 da repercussão geral” (STF, Rcl 72975/SP, Min. Rel. Alexandre de Moraes, j. em 24/10/2024. DJe. em 25/10/2024).

Nesse interregno, entretanto, não havia posicionamento advindo do plenário do STF de forma expressa limitando o Tema 1.255/STF a causas envolvendo a Fazenda Pública, e apenas a essas. Foi então que a União, o Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal e do CFOAB – Conselho Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil se manifestaram nos autos em prol da delimitação da temática, tendo o exmo. ministro André Mendonça, relator do Tema 1.255/STF, suscitado questão de ordem para decidir sobre a sua amplitude.

Embora tenha reconhecido as “dúvidas na comunidade jurídica”, o ministro relator esclareceu que “a participação da Fazenda Pública nos autos em que discutida a fixação de honorários por equidade foi um dos elementos levados em consideração no julgamento pela existência de repercussão geral da questão”, restringindo a aplicação do Tema 1.255/STF à fixação de honorários advocatícios sucumbenciais em causas em que a Fazenda Pública for parte:

“13. Somado a tudo isso, entendo que compreensão diversa ampliaria a discussão em inadequado momento, em prejuízo à mais adequada e célere prestação jurisdicional, assim como dificultaria que se atingisse um bom termo para a demanda. Isso porque as demandas que envolvem a participação da Fazenda Pública ostentam particularidades que não se estendem às causas que versam interesse preponderantemente privados. 

14. Desse modo, congregar as duas discussões, neste momento, poderia obnubilar o debate, sendo mais técnico que sejam decididas em momentos diversos. Com efeito, no meu sentir, o sistema de repercussão geral caminha melhor quando há precisa delimitação do tema, o que contribui para a racionalidade dos debates.” (STF, RE no 1412069 QO, Min. Rel. André Mendonça, Tribunal Pleno, j. em 12/03/2025)

Assim, a rigor, prevalece o entendimento de que, nas disputas entre particulares, os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido, ou, quando não for possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa – exatamente como preconiza o Tema 1.076 do STJ, pouco importando se o valor envolvido é elevado.

V. Repercussões da restrição da aplicação do Tema 1.255/STF

Tão logo resolvida a questão de ordem pelo STF, a Corte Especial do STJ entendeu por retirar o sobrestamento no trâmite de diversos recursos que discutiam a fixação de honorários sucumbenciais por equidade em processos com valor econômico elevado e exclusivamente entre particulares, aplicando, com isso, o Tema 1.076/STJ a esses casos.

Com efeito, em um dos processos no qual se discutia o sobrestamento (ou não) de recurso extraordinário por envolver a definição sobre a extensão do Tema 1.255/STF, o ministro relator Luis Felipe Salomão destacou que temática relativa à aplicabilidade do Tema 1.255/STF sofreu um “amadurecimento jurisprudencial no âmbito da Suprema Corte”, o que permitiu um novo olhar sobre a questão, concluindo pela aplicação do Tema 1.076/STJ, pois envolvia apenas partes privadas:

“Assim, diante dos mencionados argumentos e, consolidada a restrição do objeto de deliberação da Suprema Corte às causas que envolvem a Fazenda Pública, conclui-se que a fixação de honorários advocatícios por equidade em demandas compostas por particulares deve observar a tese fixada no Tema n. 1.076 do STJ, privilegiando a interpretação dada à controvérsia pelo Superior Tribunal de Justiça, afastada a aplicação do Tema n. 1.255 do STF.” (STJ, EDcl no AgInt no PDist no RE nos EDv nos EAREsp n. 1.641.557/RS, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, j. em 26/3/2025, DJEN em 1/4/2025)

E segregadas as discussões, mais recentemente, o STF decidiu, no âmbito do agravo em recurso extraordinário no 1.503.603 – que gerou o Tema 1.402 do STF -, por maioria de votos, que a controvérsia que envolve a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais com base em apreciação equitativa em processos entre particulares não possui repercussão geral, por não se tratar de matéria constitucional.

O ministro Luís Roberto Barroso, quem relatou o recurso, indicou que a questão em discussão era “saber se, nas causas que não envolvem a Fazenda Pública, a garantia de acesso à justiça e o princípio da razoabilidade autorizam a fixação de honorários de sucumbência por equidade (CPC/2015, art. 85, § 8º), quando a aplicação do § 2º do art. 85 do CPC/15 resultar em montante excessivo” (STF, ARE no 1.503.603, ministro relator Luís Roberto Barroso, plenário virtual, j. em 31/5/25).

Em votação acirrada, de 6 votos a 5, reconheceu-se a inexistência de repercussão geral da questão, entendendo-se que não se trata, a discussão envolvendo particulares, de matéria constitucional, e sim infraconstitucional.

Assim, o STF rechaçou, mais uma vez, a aplicação do art. 85, §8º do CPC às causas entre partes privadas e, com isso, o reafirmou a prevalência dos critérios objetivos do CPC de que a fixação dos honorários sucumbenciais deve seguir os percentuais fixados no art. 85, § 2º, do CPC – entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou do valor da causa – em processos envolvendo particulares.

VI. Conclusão

A restrição da aplicabilidade do Tema 1.255/STF às causas que envolvem unicamente a Fazenda Pública reforçou a aplicação da Tese 1.076/STJ aos processos entre particulares, o que pode ser visto tanto como uma deferência ao legislador do CPC, quanto uma grande conquista à advocacia. Discussões à parte, no limite, a posição do STF, sequencial à definição da questão pelo STJ, confere maior segurança jurídica às partes ao decidirem ingressar com ações judiciais, contribuindo com o melhor delineamento das matrizes de riscos dos casos e evitando pleitos aventureiros.

Agora, resta saber se esse entendimento será estendido também às causas em que a Fazenda Pública for parte, o que ocorrerá quando do julgamento definitivo do RE 1.412.069 pelo STF e a definição do Tema 1.255/STF. Em qualquer caso, e independentemente de opiniões, concordâncias e divergências, assegurar que haja segurança jurídica sobre questão tão relevante à advocacia e ao Poder Judiciário será sempre um efeito bem-vindo.

Leia o artigo também no Portal Migalhas: https://www.migalhas.com.br/depeso/436057/o-julgamento-da-questao-de-ordem-no-tema-1-255-pelo-stf

Profissionais relacionados

Categorias

Artigos

Conteúdo relacionado