O Mercado Livre de Gás Natural no Brasil e sua evolução no Rio de Janeiro
Como é cediço, a Constituição Federal atribuiu aos Estados a competência para explorar, diretamente ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, consoante o disposto em seu artigo 25, §2º, sendo historicamente as concessionárias quem possuíam o monopólio neste setor.
O primeiro avanço para viabilizar a abertura do mercado de gás para novos agentes se deu com a Lei do Gás (Lei nº 11.909/2009, revogada pela Lei nº 14.134/2021), quando foi permitido o acesso a outros ofertantes e instituídas as figuras do consumidor livre, autoprodutor e auto importador.
Os avanços significativos se deram apenas em 2015, quando a Petrobras iniciou seu processo de desinvestimento no setor de gás natural, o que motivou o Governo Federal a lançar a iniciativa Gás Para Crescer.
Nesse âmbito, o Conselho Nacional de Política Energética – CNPE editou a Resolução nº 16/2019, estabelecendo diretrizes e aperfeiçoamentos de políticas energéticas voltadas à promoção da livre concorrência no mercado de gás e princípios da transição para um mercado de gás concorrencial, como o respeito aos contratos vigentes, recomendando, ainda, a celebração de eventuais aditivos aos contratos de concessão.
Assim, os Estados, competentes para explorar diretamente ou mediante concessão o serviço local de gás canalizado, passaram a implementar e regulamentar suas respectivas transições para o Mercado Livre de Gás Natural, encerrando o monopólio sobre a distribuição do insumo, desde que atendidos os regramentos particulares.
A evolução deste tema se deu de forma diferente nos Estados, por depender de regulamentações locais e está sendo monitorada por diversos agentes interessados, que elaboraram o Ranking do Mercado Livre de Gás (RELIVRE) que mede o avanço das normas regulatórias em que, até a última atualização (agosto/2025), o Rio de Janeiro ocupava a 4ª posição, atrás dos Estados do Espírito Santo, Sergipe e Alagoas.
No Rio de Janeiro, o contrato de concessão já previa a possibilidade de aquisição pelo cliente de gás diretamente do produtor ao invés das Concessionárias CEG/Naturgy e CEG RIO, desde que aquele apresentasse um consumo mínimo de 100.000 m³/dia.
A Agenersa, na qualidade de órgão regulador e fiscalizador do serviço de distribuição do gás canalizado, iniciou a análise do procedimento e regras para possibilitar a migração das indústrias para o mercado livre do gás por meio do processo regulatório E-22/007.300/2019 e editou a Deliberação nº 4.068/2020, definindo que o consumo de 10.000m³/dia deveria ser um patamar mínimo para o consumidor adquirir gás de qualquer produtor, possuindo, contudo, uma contradição ao mencionar, na mesma Deliberação, o consumo mínimo de 100.000m³/dia.
Para eliminar a contradição, a Agenersa editou a Deliberação nº 4.142/2020, alterando a de nº 4.068/2020, fixando o mínimo de 10.000m³/dia. No entanto, o tema carecia de maior aperfeiçoamento por ter desconsiderado os princípios básicos da transição, em especial o respeito aos contratos vigentes.
Paralelamente, o Congresso Nacional editou a Lei nº 14.131/2021 (Nova Lei de Gás), aperfeiçoando os dispositivos sobre as atividades de transporte de gás natural e incentivando a ampliação do Mercado Livre, bem como reforçou que os Estados devem regulamentar a implementação deste tema em seus territórios, além de definir conceitos importantes, como o de “consumidor cativo”, que adquire gás da distribuidora local e o de “consumidor livre”, que consome gás de diversos agentes, nos termos da legislação estadual.
Em razão das dificuldades em efetivar a migração pela ausência de um contrato padrão de uso do sistema que seria operado pela Distribuidora local e redução na tarifa para o sistema de distribuição, foi instaurado o processo regulatório nº SEI-480002/000528/2023, que passou a concentrar a regulamentação da matéria no Estado do Rio de Janeiro.
Assim, a Agenersa homologou a minuta padrão de um Contrato de Uso do Sistema de Distribuição (CUSD), a ser celebrado entre os consumidores livres e as Concessionárias, possibilitando a utilização da tubulação existente para a compra de gás de outros fornecedores e editou a Deliberação nº 4.717/2024, estipulando que o consumidor interessado em ingressar no Mercado Livre de Gás deve comunicar a Concessionária com antecedência mínima de 100 dias, além de recomendar que fossem feitos termos aditivos aos contratos celebrados entre as Concessionárias e a Petrobras para reduzir a Quantidade Diária Contratada, ante a diminuição do volume de gás revendido pelas Concessionárias em razão das migrações de clientes para o Mercado Livre de Gás.
Diante das dificuldades expostas pelas Concessionárias de que a implementação imediata na forma acima geraria um descompasso com os volumes já contratados junto à Petrobras até 2034, e que o custo adicional pelo excedente não comercializado seria repassado aos consumidores por meio de tarifas impraticáveis, de forma prudente e responsável, o Conselheiro Relator Vladimir Paschoal Macedo determinou, em 06.10.2025, que não deve ser feita qualquer migração imediata antes que seja resolvida a questão da redução dos volumes contratados pelas Concessionárias junto à Petrobrás.
Portanto, apesar de a legislação ter avançado para permitir a abertura do mercado de gás e a livre concorrência, os Estados, em especial o Rio de Janeiro, ainda precisam finalizar regras da migração, a fim de evitar o desequilíbrio econômico a ponto de inviabilizar a concessão de um serviço essencial e impedir que o consumidor seja onerado com o pagamento de tarifas impraticáveis para a continuidade da prestação do serviço.
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