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11 de dezembro de 2025

Arbitrabilidade subjetiva dos honorários de sucumbência na tutela cautelar pré-arbitral

A convenção de arbitragem pactuada pelas partes vincula os advogados atuantes na tutela cautelar pré-arbitral?

Pela complexidade a ela inerente, a questão da arbitrabilidade dos honorários de sucumbência devidos aos patronos da parte vitoriosa no processo judicial de tutela cautelar pré-arbitral — aqueles regidos pelo artigo 85 do Código de Processo Civil, e este último, pelos artigos 22-A e 22-B da Lei de Arbitragem — deve ser enfrentada em etapas.

O debate parte de posicionamento na jurisprudência, capitaneado pelo julgamento do Conflito de Competência 165.678/SP, no sentido de que a transferência de jurisdição sobre a demanda objeto do processo cautelar pré-arbitral, da autoridade judiciária para o tribunal arbitral, uma vez instaurado, abrange também o poder-dever de fixar os honorários de sucumbência devidos pela parte sucumbente na fase cautelar ao advogado da parte vencedora [1].

Na primeira parte deste estudo (disponível aqui), a análise, dedicada à arbitrabilidade objetiva dessa verba, chegou a uma resposta positiva: revestem-se os honorários sucumbência da patrimonialidade e da disponibilidade necessárias a que possam ser objeto da jurisdição de um tribunal arbitral. Sob esse aspecto, portanto, não haveria óbice a que o tribunal arbitral exercesse a sua jurisdição sobre essa questão.

Há, contudo, uma segunda — e mais delicada — questão a ser endereçada no estudo da fixação de honorários de sucumbência em processo cautelar pré-arbitral, não pela autoridade judiciária que examina o pleito preparatório, mas pelo tribunal arbitral que, uma vez instaurado, torna-se competente para conhecer e julgar a demanda.

Trata-se da arbitrabilidade subjetiva dos honorários de sucumbência, ou, em outras palavras, a possibilidade (ou não) de se sujeitar os advogados que representaram a parte vencedora no processo cautelar pré-arbitral a uma decisão, fixadora daquela verba, proferida pelo tribunal arbitral instituído com base na convenção de arbitragem pactuada entre o seu cliente e a(s) respectiva(s) contraparte(s).

A matéria suscita uma série de questionamentos, a começar pela discussão, já velha conhecida da doutrina, sobre a extensão subjetiva da convenção de arbitragem aos não-signatários — no caso, dos advogados da parte que foi vencedora no processo pré-arbitral, em especial quando não são os mesmos a atuar na arbitragem.

A ‘vinculação de não-signatários’ à convenção arbitral: o caso do advogado-credor de honorários sucumbenciais em processo cautelar pré-arbitral

Assunto amplamente debatido pela literatura especializada, o tema da “vinculação de não-signatários à convenção de arbitragem” deve ser lido conforme a perspectiva crítica da melhor doutrina a respeito desse termo. Não se trata, afinal, de esgarçar a eficácia subjetiva do negócio arbitral a pessoas que não celebraram o negócio jurídico, e sim de identificar de que outras formas, além da tradicional aposição de firma a um instrumento contratual, determinadas partes possam ter consentido com a circunscrição de certa matéria à jurisdição arbitral.

O tema já foi explorado em vários contextos, a exemplo da sociedade integrante do mesmo grupo econômico da celebrante do negócio arbitral [2]; a vinculação da seguradora à cláusula compromissória pactuada pela segurada [3]; a desconsideração da personalidade jurídica da celebrante da convenção de arbitragem para alcançar o patrimônio da sua controladora [4], entre outros.

Ombreada com essas outras hipóteses, a vinculação do advogado credor de honorários sucumbenciais no processo cautelar pré-arbitral ao tribunal instituído pela manifestação de vontade do seu cliente apresenta ora semelhanças com os demais exemplos da amostra, ora peculiaridades que demandam ser consideradas.

No plano das similaridades, também aqui deve-se indagar se, e em que termos, um não celebrante da convenção arbitral (i.e., o advogado-credor da sucumbência) está sujeito à jurisdição de tribunal instituído e atuante a partir da referida avença.

Já no plano das peculiaridades, alguns elementos próprios da relação entre o cliente celebrante da convenção de arbitragem e o advogado não-celebrante saltam aos olhos para fins de examinar a sujeição deste último à jurisdição arbitral lastreada em vontade manifestada por aquele primeiro.

Talvez a grande diferença entre esta e as demais espécies de “vinculação de não-signatários” à convenção de arbitragem resida na forma de extrair o consentimento do advogado-credor da sucumbência no processo cautelar pré-arbitral à avença pactuada por seu cliente. Enquanto nos demais casos há certo alinhamento entre as vontades manifestadas pelo signatário e pelo não-signatário que vem a ser vinculado por esta — seja a integrante de grupo econômico cuja conduta importa consentimento tácito ao negócio, seja a sócia alcançada pela celebrante que teve a personalidade desconsiderada —, na relação entre o cliente signatário e o advogado não-signatário, a anuência deste último à convenção arbitral não parece se verificar com igual nível de clareza.

A transferência da jurisdição sobre os honorários de sucumbência no processo cautelar pré-arbitral, nesse sentido, parece operar mais por força da acessoriedade da matéria frente ao mérito da lide do que com base no consentimento, expresso ou implícito, do advogado que deles se beneficiará à convenção de arbitragem pactuada pelo seu cliente. Essa noção fica aparente, por exemplo, no reconhecimento, consignado no acórdão do CC 165.678/SP, de que a sucumbência só se incorpora ao patrimônio do advogado com o trânsito em julgado da sentença.

Sob essa premissa, a lógica parece se inverter: não é a anuência tácita o fator determinante a sujeitar o advogado não-signatário à jurisdição do tribunal arbitral, e sim o entendimento da fixação da sucumbência devida no processo cautelar pré-arbitral como matéria inserida na jurisdição do tribunal arbitral competente para julgar o mérito da lide — relação de acessoriedade que, a seu turno, informará a decisão do advogado por aceitar ou não atuar em prol do potencial cliente na demanda antecedente da arbitragem.

Em outras palavras, se a fixação dos honorários de sucumbência referentes à fase pré-arbitral só pode ocorrer com o trânsito em julgado da sentença sobre o mérito da demanda (na linha do citado precedente do STJ), então o advogado procurado pelo signatário da convenção arbitral deverá levar esse fato em consideração quando decidir prestar os correspondentes serviços advocatícios. E, caso opte por atuar no caso, estará, explícita ou implicitamente, manifestando a sua concordância com que, sendo a demanda cautelar pré-arbitral submetida à jurisdição do tribunal arbitral instituído para julgar o mérito da lide, é este órgão, e não a autoridade judiciária, que poderá fixar a verba sucumbencial devida ao patrono exitoso na etapa preparatória da arbitragem [5].

Nesses termos, ainda que pareça possível, do ponto de vista da arbitrabilidade subjetiva, conciliar a fixação dos honorários sucumbenciais referentes ao processo cautelar pré-arbitral pelo tribunal arbitral, surge uma série de aspectos de relevância teórica e prática que merecem mais aprofundada análise, a seguir empreendida.

Questões teóricas e práticas sobre a fixação de honorários sucumbenciais pelo tribunal arbitral

Os desafios associados à fixação, pelo tribunal arbitral, dos honorários de sucumbência devidos em função do processo de tutela cautelar que antecedeu a sua instituição, não se restringem à esfera contratual.

Vêm à tona, associados a essa questão, alguns aspectos de ordem processual, que devem ser considerados a fim de viabilizar a concretização do posicionamento fixado no CC 165.678/SP (i.e., a fixação em arbitragem dos honorários sucumbenciais referentes à ação cautelar pré-arbitral) sem prejudicar direitos postulatórios do advogado, notadamente ao contraditório, à ampla defesa e a acompanhar a formação do livre convencimento motivado do tribunal na fração da lide que lhe diz respeito.

Deve-se considerar, aqui, a hipótese — rara na prática, mas possível em tese — de o advogado que representa a parte no processo cautelar pré-arbitral não ser o mesmo a atuar na arbitragem. Neste caso, alguns elementos do cotidiano arbitral, tais como a pactuação do caráter sigiloso do procedimento, podem pôr em risco não só o direito do advogado aos honorários de sucumbência referentes ao feito pré-arbitral, mas também de defender os seus interesses perante o tribunal arbitral cuja decisão poderá impactar diretamente na esfera patrimonial do patrono.

Há, aqui, um primeiro cuidado a ser tomado pelas pessoas envolvidas no processo: caso seja necessário fixar honorários de sucumbência em benefício de advogado que não atua no processo arbitral, e que, portanto, não tem acesso aos seus documentos e decisões, poderá ser necessário relativizar a eficácia de eventual cláusula de confidencialidade do feito, a fim de permitir, nos estritos contornos da fixação da verba sucumbencial, a postulação das partes a respeito da matéria, e o acesso à decisão (ou ao trecho da decisão) que venha a fixá-la.

Um segundo (e mais sensível) elemento de complexidade diz respeito aos limites do poder jurisdicional do tribunal arbitral para fixar os honorários de sucumbência referentes ao processo cautelar pré-arbitral. Ainda que se reconheça, corretamente, a independência do regime fixado pela Lei de Arbitragem frente ao CPC [6], o tribunal arbitral pode eventualmente compreender que os honorários de sucumbência, porque atinentes a processo antecedente à arbitragem ajuizado perante o Poder Judiciário, sujeitam-se ao art. 85 do CPC — hipótese que parece improvável na prática, mas cuja importância da reflexão acadêmica justifica ser cogitada.

Assim, um tribunal arbitral poderia compreender, sob a premissa de se tratar de um instituto próprio do processo civil estatal, transferido à jurisdição do tribunal arbitral por uma relação de interdependência com a lide principal, que os honorários de sucumbência do processo cautelar pré-arbitral devem ser apreciados conforme os critérios exigidos pelo CPC.

E, não sendo o advogado celebrante da convenção arbitral e nem atuante na arbitragem, ciente e concordante com as regras procedimentais da arbitragem, este não poderá, em princípio, se valer de eventuais métodos discrepantes do CPC para decidir sobre os honorários de sucumbência do processo cautelar pré-arbitral. O exame, naturalmente, dependerá do caso concreto, incluindo incursões na própria relação cliente-advogado.

Conclusão (sem pretensão de concluir)

A fixação de honorários de sucumbência devidos em função do processo judicial de tutela cautelar antecedente à arbitragem pelo tribunal arbitral subsequentemente instaurado é tema ainda debatido na jurisprudência, e ainda carente de posição firme, pacificada e previsível.

Este breve artigo, enfim, indica a maior complexidade do tema da arbitrabilidade subjetiva quando comparada com a objetiva. Se, por um lado, há poucas dúvidas quanto à patrimonialidade e à disponibilidade dessas verbas, por outro, e inobstante a aparente compatibilidade entre os dois institutos, há elementos de considerável complexidade a ser debatidos acerca da sujeição do advogado atuante no processo cautelar pré-arbitral à autoridade do tribunal a ser instaurado para fins da fixação da sucumbência, tanto no que diz respeito à sua vinculação à convenção de arbitragem como no âmbito dos cuidados procedimentais necessários a assegurar os direitos postulatórios do patrono.

[1] “Os honorários de sucumbência somente se incorporam ao patrimônio do advogado após o trânsito em julgado da decisão que os fixou, o que não ocorreu na espécie em que pendente de julgamento a apelação, cujo exame foi transferido para o Tribunal Arbitral, reconhecido como competente por ambas as partes para o exame do mérito da causa” (STJ. Conflito de Competência 165.678/SP, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, j. 14/10/2020).

[2] A exemplo do estudo de MARQUES, Ricardo Dalmaso; ALMEIDA, Fernanda Dias de; DAL MAS, Fernanda Marques. Os grupos de empresas e seus reflexos quanto aos efeitos da convenção de arbitragem. In: YARSHELL, Flávio Luiz et. al. (coords.). Processo societário II. São Paulo: Quartier Latin, 2015.

[3] Sobre o tema, MELLO, Felipe Varella. Breves notas sobre a possibilidade de extensão dos efeitos da cláusula compromissória assumida pelo segurado à seguradora sub-rogada. In: DIDIER JR., Fredie et. al. (coords.). Processo civil e seguro. São Paulo: Quartier Latin, 2021.

[4] Abordado por PRADO, Viviane Müller; DECCACHE, Antonio. Análise funcional e formalismo na desconsideração da personalidade jurídica em arbitragem. In: CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de et. al. (coords.). Direito societário, mercado de capitais, arbitragem e outros temas: homenagem a Nelson Eizirik, volume III. São Paulo: Quartier Latin, 2020, p. 546.

[5] Tal constatação parte da premissa adotada pela corrente que entende pela impossibilidade de o Poder Judiciário fixar honorários em tutela cautelar pré-arbitral, ao fundamento de que tal verba deve ser endereçada ao tribunal arbitral, uma vez formado, por força do art. 22-A da Lei de Arbitragem. Há, contudo, entendimento dissonante, no sentido de permitir a fixação de honorários de sucumbência em tutela cautelar pré-arbitral, compreendendo que há independência entre os processos judicial e arbitral nesse aspecto. Neste artigo, não se tem a pretensão de esgotar o tema, nem de adotar um posicionamento ou outro, mas sim compreender a lacuna existente e as formas de endereçamento a serem cogitadas para suprir essa lacuna.

[6] Conforme recente entendimento do STJ, “8. A escolha do direito brasileiro para decidir o mérito não implica a aplicação subsidiária do CPC ao procedimento arbitral, pois isso desvirtuaria a natureza flexível da arbitragem” (STJ, EDcl no REsp 1.851.324/RS, relatora Min. Daniela Teixeira, Terceira Turma, julgado em 12/5/2025, DJEN de 16/5/2025).

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