Especial: Mercado vê avanço na regulamentação e já se prepara para investimentos bilionários

Especial: Mercado vê avanço na regulamentação e já se prepara para investimentos bilionários

  • Por Institucional |
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  • 30 Aug 2022

Notícia veiculada pelo Broadcast+, plataforma da Agência Estado, com participação da sócia Livia Sanches Sancio 

Rio, 26/08/2022 - Enquanto o mundo vê aerogeradores se multiplicarem no mar, sobretudo na China e na Europa, que concentram mais de 95% das instalações, o Brasil engatinha na preparação para receber usinas eólicas offshore. Essas unidades só devem começar a operar com geração relevante no País ao fim da década. Ao Broadcast, executivos do setor e especialistas em energia assinalam o atraso do Brasil, mas afirmam que o potencial natural - vento abundante e larga costa rasa - além da sólida experiência offshore advinda do óleo e gás, tendem a encurtar o desenvolvimento da indústria no País. Por ora o essencial é regulamentar e ceder a titularidade de áreas em alto mar às empresas, processo que, dizem, tem avançado "de forma lenta, mas segura".

A última grande novidade da eólica offshore no Brasil foi a aprovação do projeto de lei 576/2021 no Senado Federal. O texto, que lança bases sólidas para as regras da atividade no País, segue agora para a Câmara, onde deve encontrar dificuldades de tramitação pelo menos até meados do 1o trimestre do ano que vem. Não em função da matéria, mas do calendário, com período eleitoral, eventual transição de governo e recesso parlamentar.

Até lá, o setor conta com um decreto presidencial a ser regulamentado pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Fontes familiarizadas com o tema dizem que o governo trabalha com a publicação de portaria nesse sentido em novembro deste ano, em respeito ao prazo limite de 15 de dezembro. Isso permitiria a organização de leilões de cessão de áreas já em 2023, antes mesmo da sanção de uma lei. Nesse ponto executivos ouvidos pelo Broadcast se dividem. Para a gerente de assuntos regulatórios da Shell Brasil, Monique Gonçalves, é factível que um leilão aconteça já em julho de 2023. Mas o diretor de Comunicação, Responsabilidade Social Corporativa e Carbono da Engie Brasil, Gil Maranhão, aposta que isso ficará para meados de 2024.

A Shell registrou no Ibama seis projetos de eólica offshore no Brasil com capacidade total de 17 GW. A Engie, que tem participação junto a EDP na joint venture de eólica offshore Ocean Winds, tem cinco projetos para o País, totalizando 15 GW. Trata-se de apenas uma fração dos 66 projetos informados ao Ibama até o início de janeiro, que somam 169 GW, volume próximo da capacidade instalada da matriz elétrica brasileira, mas que serve apenas para indicar o interesse do mercado porque dificilmente será implementado integralmente, seja por demanda restrita, seja por dificuldades de transmissão.

Nenhum desses projetos tem licença ambiental, requisito básico. Empresas e Ibama aguardam a titularidade das áreas marítimas para início de estudos e análise, respectivamente. A espera é justificada: segundo Maranhão, o ciclo de estudos de viabilidade de um único projeto de eólica offshore pode levar dois anos e custar US$ 50 milhões.

Para a presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum, é improvável ter uma lei aprovada no Congresso em menos de um ano. "Não é pessimismo, só pragmatismo. Não sai mais nada daquele Congresso esse ano, a menos que seja muito urgente para o (presidente Jair) Bolsonaro", diz. Por isso, o caminho mais rápido para o setor é avançar apoiado na portaria do MME. "É possível fazer o leilão sob um determinado regramento e depois absorver as mudanças da lei, que prevalece", diz Gannoum.

Decreto x Lei

Para além do tempo, também há interesse do setor em promover a cessão de áreas sob o decreto, que prevê menos custos com pagamentos à União, estados e municípios do que consta no texto atual do PL 576/2021. O acréscimo tardio de taxas aos contratos por força de uma lei já seria esperado pelo setor, diz Gannoum. 

O decreto não menciona repasses, mas alguma contrapartida financeira à União deve constar na portaria. Já a última versão do PL menciona como critério principal da disputa pelas áreas a maior oferta em bônus de assinatura de contrato. O PL também prevê uma taxa fixa pelo uso da área de 1,5% em cima da receita bruta e 1% para fundo de ciência e tecnologia. O porcentual inicialmente previsto era de 5%, o que foi rebaixado pelos senadores. A partir de agora as empresas vão pleitear junto aos deputados que seja pago apenas 1% da receita líquida.

Para Ana Karina Souza, sócia de energia do escritório Machado Meyer Advogados, que assessora empresas do setor, é importante ao ambiente de negócios que esse tipo de custo fixo se mantenha reduzido. "Existe uma leitura infundada de que a geração offshore pode ser comparada ao óleo e gás, que tem rentabilidade muito maior e pode acomodar cobranças mais altas. A única semelhança é que as duas atividades acontecem em alto mar", diz Ana Karina.

O ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e professor da UFRJ, Maurício Tolmasquim, endossa o argumento e diz que onerar o setor em seu nascimento pode afugentar interessados, sobretudo em um mercado que pode buscar outras praças com relativa facilidade.

Convergência

Apesar das diferenças, o texto do PL tem aos poucos se aproximado do decreto, o que é bem visto, porque traz maior segurança jurídica no curtíssimo prazo. Para Tolmasquim, um ponto essencial era a separação do processo de cessão de áreas dos leilões de contratação de energia ao ambiente regulado. Isso porque as contratações no leilão dependem da demanda e planejamento nacional e poderiam atravancar projetos voltados ao mercado livre ou outras frentes, como a produção de hidrogênio verde.

A advogada Livia Sancio, sócia do escritório Salomão Kaiuca, Abrahão, Raposo e Cotta Advogados, diz que o mercado tem visto com bons olhos os esforços de regulamentação. "Mesmo no caso do decreto, pelos dados do Ibama, houve aumento considerável no número de projetos em licenciamento desde o ano passado, o que denota aumento na confiança do setor. A aprovação de uma lei só ampliaessa segurança", diz. De fato, no período o número de projetos triplicou e a capacidade total prevista saltou de 55 GW para 169 GW.

Sobre a cessão de áreas, ambos os instrumentos - decreto e lei - caminham para instituir os modelos de concessão planejada, com leilão organizado pelo governo, ou a concessão independente, processo mais célere, em que um player indica interesse por determinada área e o poder concedente abre período para manifestação de concorrência. Caso haja mais de um interessado, abre-se uma licitação com critérios próximos ao do leilão federal.

Segundo Ana Karina, do Machado Meyer, a tendência é que a maior parte das cessões aconteça por meio de licitação, tendo em vista o nível de sobreposição de projetos comunicados ao Ibama. Levantamento do Broadcast mostra que ao menos 31 dos 66 projetos registrados no Ibama se cruzam totalmente ou parcialmente, indicando chances de irem a leilão pelo maior bônus de assinatura. Mas os executivos ouvidos minimizam, ao dizerem que pouco do que foi registrado será levado a cabo em função da intensidade de capital do setor.

Custo alto

Para além dos gastos iniciais com estudos e repasse à União, o capex de usinas eólicas hoje está na casa dos bilhões. A Ocean Winds (Engie e EDP) estima que, hoje, cada gigawatt de capacidade instalada pode custar entre R$ 13 bilhões e R$ 16 bilhões, montante que pode ser ainda maior no Brasil devido à ausência de uma cadeia de fornecedores, o que forçaria importação de equipamentos.

A gerente de tecnologia em renováveis da Shell, Camila Brandão, estima que uma usina da empresa anglo-holandesa no Brasil pode facilmente exigir investimento entre R$ 5 bilhões e R$ 7 bilhões. Brandão diz que os materiais a serem aplicados na costa brasileira podem ter menor densidade que os utilizados em regiões como o Mar do Norte, o que reduziria custos. Entraria nessa conta, também, a experiência offshore da Shell, que agregaria soluções caseiras às operações.

Agressivos, os montantes projetados se devem à capacidade dos projetos, de no mínimo 1 GW, mas com média entre 2 GW e 3 GW. Essa é a escala necessária à rentabilidade dessa indústria hoje, o que eleva os custos de instalação. Os valores, porém, tendem a cair no futuro com o avanço da tecnologia e ganhos de escala, a exemplo do que aconteceu com as energias eólica e solar onshore, observa Tolmasquim.

Os 66 projetos listados no Ibama se dividem em três áreas principais: as costas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina; Rio de Janeiro e Espírito Santo; e Nordeste, entre Rio Grande do Norte, Piauí, Ceará e Maranhão. Quase a metade, 31 projetos, se concentra no Nordeste, sendo 18 no mar do Ceará, para onde as empresas são atraídas pela infraestrutura do porto de Pecém (CE) e grandes consumidores de energia. O mesmo acontece com o Porto do Açu (RJ), que torna Rio e Espírito Santo pontos atraentes à indústria. O Rio Grande do Norte, diz Brandão, da Shell, corre por fora como o principal "hotspot" do País pelas condições da costa, mais rasa, com ventos fortes, constantes e pouca variação de direção.